O futuro do turismo necessariamente passa pela viagem
no tempo. Logo, as agências e empresas do ramo vão notar esse nicho de
mercado – basta tirarem os olhos de questões menores, como a Copa de
2014 e as Olimpíadas de 2016. Pronto, perceberão o óbvio! Nada de
investir em rede hoteleira, transporte público, estádios… Visionário
mesmo seria inventar uma máquina do tempo capaz de levar turistas ao
passado.
Você abre o jornal no caderno de turismo. Ok, frase
errada. Se estamos no futuro e existem máquinas do tempo é óbvio que não
existem mais jornais, que quase já não estão aí hoje. Vamos tentar
assim: você pega seu tablet e procura sites e (principalmente) blogs de
viagem. No canto direito da tela estão banners com propagandas.
“Porto Seguro, 8 dias. Inclui passagens aéreas, traslado, hotel e café
da manhã”, diz uma deles. Na parte superior da tela um superbanner diz:
“Resort na Costa do Sauípe, tudo incluso”. Mas é no lugar mais
chamativo da página que você lê o seguinte anúncio:
“Pacote Desembarque na Normandia. Veja o dia D das
tropas aliadas. Seja testemunha do chute na bunda dado no Terceiro Reich
de Hitler. Parcele em até 12 vezes, sem entrada”.
Batalha da Normandia. Foto: Robert F. Sargent, Wikimédia Commons.
Se você não é lá muito bom em história, sem
problemas. Basta ver a cena inicial do filme “O Resgate do Soldado
Ryan”, dirigido por Steven Spielberg. Agora imagine comigo: milhares de
soldados morrendo, balas, explosões, corpos mutilados, gritos e “não,
não jogue a merda da granada ali! Não está vendo aquele grupo de
turistas da CVC?”
O turismo de guerra vai incluir ainda os pacotes
“Conquistas de Alexandre, o Grande”; “A Queda de Babilônia”; “Deu a
louca no Nero: o cara tacou fogo em Roma” e “A última derrota de
Napoleão”. Em resumo: só ofertas de sucesso.
Teremos também um novo conceito de viagens durante
feriados. Jerusalém vai entrar na concorrência. “Pacote Semana Santa.
Assista de perto os últimos dias de Jesus. Veja o martírio de Nosso
Salvador e tire uma foto ao lado do Corpus Christi ainda agonizando.
Inclui ressureição”.
Jerusalém: legal sem Cristo. Fantástica com ele. Foto: Berthold Werner, Wikimédia Commons
Cansou de passar o carnaval no Rio
e em Olinda? Sem problemas. O turismo no tempo permitirá a criação de
novos pacotes do feriado mais legal dos brasileiros, mesmo que seja dos
brasileiros na Roma antiga. “Participe das festas em homenagem à Saturno
e Dionísio”. Esse teria asterisco - “atenção: o pacote NÃO inclui
suruba nos banhos romanos”.
E ainda vai ter o pacote sete de setembro: “Ouça o
brado retumbante e conheça as margens plácidas do Ipiranga”. Neste caso o
mais difícil vai ser evitar que o falatório do guia abafe o tal grito
de Dom Pedro, que, dizem alguns historiadores, de grito não teve nada.
Ahh, e dizem também que nosso Imperador estaria montado num burro, não
num cavalo.
Independência do Brasil, segundo Pedro Américo. Turistas vão descobrir que não foi bem assim
Como a cultura nerd finalmente saiu do underground e atingiu o mainstream,
em pouco tempo de operação as empresas terão um pacote específico para
esse público. Esta é a minha praia. “Esteja presente na primeira
exibição do filme Star Wars – Episódio V. Veja a reação do público
durante a frase I am your father, Luke. Tome café da manhã e
bata papo com John Ronald Reuel Tolkien. Acabe com a dúvida: Frodo e Sam
eram um casal?” Pô, isso faria até a viagem que eu fiz pela Terra Média perder uns lugares no meu ranking de todos os tempos…
Já vou juntar dinheiro pra visitar também momentos
importantes da cultura pop. Que tal um show com todos os Beatles, no
auge da fama? Ou fazer uma visita ao ashram indiano onde os fab four viveram seu período mais criativo,
mas com um detalhe: enquanto os Beatles estavam lá, na década de 1960?
Você também poderá garantir seus ingressos para os três dias de paz e
música de Woodstock. Trajes hippies inclusos.
Woodstock: ainda há ingressos. Foto: Derek Redmond and Paul Campbell, Wikimédia Commons
Algumas coisas dessa nova indústria ainda não estão claras. Não sabemos se haverá empresas low cost
operando as viagens no tempo ou se será necessário economizar uma vida
inteira para conseguir pagar as prestações. Eu também não estou certo se
esse turismo será permitido para todas as épocas. Ou como fica a
questão do visto e das vacinas obrigatórias com essa nova configuração.
Acima de tudo, não tenho certeza se o turismo no
tempo já não acontece. Quem garante que os turistas do tempo já não nos
visitam, em cada evento marcante que vivemos atualmente? Se for assim,
pode ser que boa parte dos ingressos para a final da Copa de 2014 seja
adquirida por torcedores de 2060. E você já estava pronto para colocar a
culpa da falta de ingressos nos cambistas…
Pois é, o futuro é promissor. Eu nem consigo esperar. E você? Qual será o seu primeiro destino nesse novo turismo?
*Foto destacada: Mark Goff, Wikimédia Commons.
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